Há mais de 2 mil anos, os estóicos falavam sobre o conceito conhecido como a “dicotomia do controle”. Basicamente, esse conceito afirma que existem coisas na vida que você controla e outras não. Simples assim.
Dessa premissa, os estóicos chegaram às conclusões de que para viver com eudaimonia (significado, propósito, florescer), você e qualquer outro humano deve percorrer o seguinte caminho:
- Viver com virtude: cumprir a função humana com excelência;
- Focar no que você controla: suas próprias ações;
- Assumir a responsabilidade: novamente, focando em suas próprias ações, se responsabilizar pelo que elas podem causar.
Mais de 2 mil anos depois, as ciências comportamentais chegaram a uma conclusão parecida: além de todas as condições externas a você e suas ações (o clima, a situação econômica do país, a opinião dos outros, sua riqueza, saúde, o tempo que a vida na Terra vai durar ainda), suas experiências internas, como os sentimentos, emoções, pensamentos, impulsos, sensações etc. não estão sob o seu controle. Apenas suas ações “externas”, isto é, o que você faz.
Quer alguns exemplos? Tente se sentir eufórico agora! Tente não pensar em um elefante branco… Não imagine o gosto azedo de um limão. E se eu tivesse uma arma apontada para sua cabeça e te dissesse que, se você ficasse ansioso, eu te daria um tiro?
Você conseguiria controlar essas experiências internas? A chance de que a resposta tenha sido “não” é enorme.
Apesar disso, nossa cultura nos ensina o contrário: a agenda do controle emocional.
A pilula vermelha: o controle emocional
Desde pequeno, você aprendeu certas regras:
- Para ser uma pessoa normal, você não deve sentir emoções negativas ou ter pensamentos negativos;
- Se essas experiências indesejadas não fazem parte da experiência humana normal, você deve se livrar delas;
- Se você deve se livrar dessas experiências internas indesejadas, você tem que controlar o que sente e pensa;
- Para controlar o que você sente e pensa, deve ir atrás de condições externas (riqueza, popularidade, reputação etc.) que vão te dar as experiências que deseja e te afastarão das que não deseja.
E essas regras se aplicam até hoje, por exemplo, quando você entra nas redes sociais como o Facebook ou Instagram. Alguém publica uma foto de quando está triste, ansioso, deprimido, se sentindo uma farsa ou tendo um ataque de pânico? Não! Todas as pessoas do mundo estão super alegres, eufóricas e tendo o melhor momento da vida delas, realizando todo o potencial delas (pelo menos, de acordo com o que é mostrado). Enquanto você… Você está na frente do monitor ou do celular se sentindo uma merda, só observando, se comparando, se avaliando.
Nos livros de autoajuda te dizem para você pensar positivo. Seus amigos te dizem para ver o lado bom das situações ruins. Até o sentido da palavra felicidade em nossa cultura é entendido mais como o estado emocional de alegria do que de uma vida plena e significativa. O estado emocional das pessoas foi medicalizado. Se elas não estiverem sendo o estereótipo do otimista alegre extrovertido, com certeza deve ter algo de errado com elas e que deve ser tratado através de algum medicamento.
Mas apesar de todas suas tentativas, de todo o seu esforço, você sempre acaba sentindo algo ruim (como tristeza, frustração, raiva etc.) ou pensando alguma merda mais hora ou menos hora. É óbvio que tem alguma coisa errada com você.
Só que não. Os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, impulsos, sensações, humores etc. (nossas experiências internas) são determinados por nossa história que simplesmente não pode ser desfeita. Faz parte da condição humana passar por experiências indesejadas, dolorosas e desconfortáveis. É uma ilusão acreditar que a vida é feita somente do lado positivo. Merdas acontecem. E mesmo quando não acontecem, faz parte da linguagem e cognição humana criar merdas. É completamente natural e normal. É uma merda, mas é natural e normal.
A agenda do controle emocional, de certa forma, é o conceito oposto à dicotomia do controle dos estóicos mencionada no começo desse texto. Buscando sabedoria, os estóicos focavam em suas ações, que era o que estava sob o controle deles. Já a nossa cultura nos incentiva a buscar obsessivamente o prazer, focando justamente no que não temos controle: nossas emoções e demais experiências internas.
Assim, você aprende diversas estratégias de controle emocional: coisas que faz com o objetivo de tentar se livrar de sentimentos e pensamentos indesejados, coisas que faz motivado principalmente por se livrar ou evitar experiências internas indesejadas, dolorosas ou desconfortáveis.
O problema disso tudo é: essa programação simplesmente não funciona. Você pode encher a cara para se sentir menos triste. Você pode comer como um glutão para se livrar da ansiedade. Pode se anestesiar em uma maratona na Netflix depois de um dia cheio em um trabalho que odeia. Pode se distrair do tédio navegando na internet. Pode evitar a ansiedade social ficando isolado em casa. Pode torrar o cartão de crédito para sentir alívio de um vazio emocional. Entre outras mil opções que estão no nosso rico cardápio cultural. Mas todas essas estratégias só parecem funcionar no curto prazo. No longo prazo, elas te fodem, te levando para longe da direção que você valoriza, já que está ocupado com a agenda do controle emocional ao invés de ir atrás da vida que gostaria de ter.
E pra tornar a situação mais problemática ainda, essas estratégias de controle emocional tendem a ter efeitos viciosos: quanto mais você tenta se livrar dessas experiências indesejadas, mais você cria elas. Você fica ansioso só de pensar que pode ficar ansioso. Fica com medo de ter medo. Fica mais isolado e se sentindo mais ansioso por não ter desenvolvido habilidades sociais. Faz mais dívidas e fica se sentindo mais vazio para pagar as outras dívidas do outro cartão de crédito. Experimentos científicos (Dan Wegner, 1994) mostram que tentar suprimir pensamentos, por exemplo, tem efeitos contrários: o pensamento que você tenta suprimir, ao invés de diminuir de frequência, cada vez aumenta mais. E com isso, além da sua vida não ir na direção que você gostaria, ela vai se estreitando cada vez mais.
A pilula azul: o caminho da psicoterapia
Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT -Acceptance and Commitment Therapy), aprendemos que não é o conteúdo indesejado que nos atrapalha, por isso não tentamos mudar esse conteúdo (por exemplo, mudar pensamentos negativos ou irracionais para positivos ou racionais). Até o ser humano mais abençoado do planeta, invariavelmente vai sentir dor e ter experiências que não gostaria de ter. O que nos deixa empacados é justamente a forma com que nos relacionamos com esses conteúdos e experiências internas: o controle emocional. A alternativa à agenda do controle emocional é a aceitação experiencial. Algo mais fácil de ser experienciado do que verbalizado.
Eu sei, eu sei. Em 2019 é clichê usar a metáfora da pílula azul e da pílula vermelha do Matrix. Mas para quem não se lembra: se Neo tomasse a pílula vermelha, ele voltaria para sua vida normal, confortável até certo ponto e completamente ilusória; se ele tomasse a pílula azul, conheceria a verdade por trás de toda a ilusão que conhece até então. Na psicoterapia, no entanto, não é uma questão de verdade ou veracidade, e sim do que funciona pra você.
Não acredite nas minhas palavras. Deixe sua própria experiência ser o seu guia…
A vida inteira você tomou a pílula vermelha, adotando a agenda do controle, evitando e se livrando de pensamentos e emoções indesejadas. E como isso funcionou pra você? Quais foram os resultados para você no longo prazo? A pílula vermelha (a agenda do controle emocional) está te levando em direção à vida que gostaria de ter? Você está mais próximo de ser a pessoa que gostaria de ser? Se sim, ótimo. Recomendo que você continue tomando a pílula vermelha.
Senão, que tal experimentar uma alternativa e tomar a pílula azul?