A Grande Farsa da Experiência do Usuário

Steven Pinker, no livro O Instinto da Linguagem, conta o mito disseminado de que os esquimós teriam muitas mais palavras do que nós para chamarmos a neve, mito muito usado para falar como a linguagem influencia o pensamento, pela abordagem conhecida como determinismo linguístico. Pinker chama este tipo de mito de “absurdo convencional”: algo que ninguém tem evidências, mas todos lembram que ouviram falar sobre isso em algum lugar, por isso vira senso comum (convencional), e quando de repente, o assunto linguagem e pensamento é tocado, “a grande farsa do vocabulário esquimó” aparece.

Da mesma forma, o discurso de que “estamos projetando experiências” parece ser um absurdo convencional entre nós designers (sério, tente falar com alguém de fora da área de publicidade ou tecnologia da informação que você projeta experiências, e espere ver a reação deles). Com a diferença que existe um belo incentivo para os designers disseminarem esse discurso. Se antes, eles eram responsáveis apenas pela interface do sistema de informação, agora eles tinham o seu status elevado para serem responsáveis por projetar a experiência do usuário.

Alguns tiveram o bom senso de corrigir, dizendo que a disciplina não consistia em projetar experiências, mas projetar para experiências. Ou seja, que o objetivo dos designers eram o de projetar artefatos (em sua absoluta maioria, digitais) como um meio para alcançar determinadas experiência para o usuário. Aliando esse discurso com o do “design centrado no usuário”, não é difícil entender como os antigos web designers se sentiram atraídos para a proposta. Afinal, tinha o usuário no centro do processo de design, e mais ainda, tinha o centro do usuário (a experiência) como objetivo do design. A auto-imagem e auto-estima do antigo web designer tinham melhorado muito. Conveniente, mas ainda assim, um absurdo convencional.

Negócios, negócios e mais negócios

Verdade seja dita, a experiência subjetiva nunca foi o objetivo dos negócios. Foi arbitrariamente (parcialmente) negligenciada pelo pessoal da engenharia de usabilidade, o que fez o Donald Norman criar o termo Experiência do Usuário para englobar (ou compensar) o que o termo usabilidade, em seu sentido original, já significava.

O interessante é que, mesmo os autores que falam que projetar a subjetividade é algo impossível, tomam a mesma como algo místico, sobrenatural. Mas essa tal de subjetividade já é estudada cientificamente há mais de um século. A psicologia, assim como as demais ciências cognitivas, estuda processos e estruturas psicológicas como a memória, percepção, raciocínio, pensamento, resolução de problemas, criatividade, tomada de decisões, emoções, sentimentos, afetos, personalidade etc. de forma (quase sempre) objetiva, sem precisar empregar o misticismo, como se o que tivesse na subjetividade fosse algo sobrenatural, ou além dos métodos das ciências naturais.

Mas estou me desviando… O meu ponto aqui é que a experiência ou a subjetividade não é o fim do design. A grande razão pela qual a experiência do usuário não é alvo dos negócios é porque não é a experiência que alcança os objetivos do negócio, mas sim o desempenho das pessoas, ou em outras palavras, o comportamento do usuário, seja ele um consumidor ou um funcionário ou um jogador ou interactor. Os requisitos de usuário geralmente são tarefas e critérios de desempenho nestas tarefas, pois estas tarefas são os meios para alcançar os requisitos de negócio (observação: estou usando o termo “requisitos de negócio” de forma ampla aqui, mas estes requisitos de mais alto nível podem ser entendidos como metas do projeto, os objetivos que o projeto tem, seja para uma corporação ou para uma comunidade).

Requisitos de negócio geralmente são indicadores ou métricas que dependem do contexto do projeto, como aumento nas vendas (comércio), diminuição de colisões (engenharia de tráfego), aumento da produtividade (trabalho), diminuição da emissão de carbono (organizações ecológicas) e por aí vai. A experiência aqui pode até ser um meio, mas não é o objeto do design. O design entra aqui com o comportamento como seu objeto de estudo e intervenção, sendo um dos meios que “o negócio” tem para alcançar seus objetivos.

Design para o Comportamento: uma proposta alternativa ao DUX

Uma proposta alternativa ao Design da Experiência do Usuário (ou Design para Experiência do Usuário) têm emergido nos últimos tempos, sendo chamada de “design for behavior”. Alguns autores e designers (principalmente da área de design de interação), como B.J. FoggRobert FabricantDan LocktonTim Brown, têm falado sobre essa proposta – design para o comportamento, com a intenção de explicitar o objetivo do design. O designer não tem o objetivo de criar ou projetar experiências ou mexer em subjetividades alheias. O objetivo do designer é influenciar comportamentos, sendo por meio de instruções, incentivos, punições, facilitações, restrições, feedbacks, etc. Como o Robert Fabricant disse em sua palestra “Behavior is our Medium“, na conferência de IxDA do ano passado (2009) :

If interaction design isn’t about supporting & influencing behavior…then what exactly are you doing?

O objetivo do designer é fazer com que o usuário se comporte da forma desejada, através dos meios que o primeiro tem (geralmente, os meios são digitais, mas como diria Malcom X podemos generalizar para “by any means necessary” – os meios que o designer tem em mãos). As emoções, pensamentos e crenças (a experiência subjetiva) podem ser meios que o designer usa para fazer com que o usuário se comporte da forma desejada. Mas são sempre meios, não fins. Uma pessoa sentir medo pode fazer com que ela corra, fique paralisada ou ataque o objeto que dê medo para ela. Se o designer não especificar quais destes comportamentos é o desejado, ele pode se contentar com qualquer reação acima ou não se satisfazer com nenhuma delas.

Robert Mager, um dos primeiros teóricos da disciplina Human Performance Technology, formulou um procedimento simples para poder definir o objetivo de intervenções no desempenho, e assim, poder avaliar o seu sucesso (e que pode ser emprestado para os designers). Ele chamava esse procedimento simplesmente de “Teste do Ei Pai”: consiste em formular objetivos usando a sentença “ei, pai, deixe-me mostrar que posso __________”. Se o objetivo da intervenção comportamental pode ser formulado nestes termos, ele pode ser avaliado, e assim, podemos dizer se tivemos sucesso ou se fracassamos em nossas intervenções. Como Mager diz, não se trata de uma questão filosófica ou epistemológica, mas pragmática. Se não soubermos qual nosso objetivo, fica difícil sabermos como vamos atingí-lo, além de não podermos avaliar se tivemos sucesso ou não em nossas práticas, e assim, não podermos aperfeiçoá-las.

O digital e a rede sempre foram apenas meios: para facilitar o trabalho, a comunicação, o consumo, os jogos, entre outras classes amplas de comportamentos. O papel do designer, nesta proposta, é o de saber quais comportamentos podem ajudar para alcançar os requisitos de negócio e formular estratégias através dos meios que ele possui para alcançá-los.

OBSERVAÇÕES

Claro que o comportamento ser alvo do design é algo polêmico, pois o comportamento é algo ideológico e político, além de não gostarmos de termos nosso livre-arbítrio constestado. A questão de quais políticas e requisitos de negócio estamos tentando alcançar só deixa explícito que a tecnologia (assim como o design) nunca é neutra, mas depende do seu uso (quem ganha?). Até onde consigo ver, a cognição aumentada é uma das premissas do design mais nobre, mas nem sempre pode ser tomada como meta, já que o designer está inserido no mercado, onde os requisitos de negócio nem sempre são alcançados pelos requisitos de usuário de aumentar suas habilidades e capacidades.

REFERÊNCIAS

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