De acordo com Yuval Harari (autor de Sapiens: Uma Breve História da Humanidade), o Homo Sapiens é o animal que dominou o mundo porque é a única espécie capaz de acreditar em coisas que não existem na natureza (a Ordem Natural), ficções compartilhadas, construções sociais, mitos culturais, produtos inteiramente da sua imaginação (a Ordem Imaginada), com isso sendo capaz de cooperar em larga escala e de forma flexível. Entre essas ficções podemos incluir religiões, estruturas políticas, ideologias, mercados, marcas e instituições legais.
Abaixo citações de como a Ordem Imaginada permitiu que o ser humano ultrapassasse a Ordem Natural, invertendo seu papel de presa / caça para o de predador / caçador, dominando a Terra:
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Yuval Harari (Sapiens: Uma Breve História da Humanidade)
a característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é sua capacidade de transmitir informações sobre homens e leões. É a capacidade de transmitir informações sobre coisas que não existem. Até onde sabemos, só os sapiens podem falar sobre tipos e mais tipos de entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram.
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a ficção nos permitiu não só imaginar coisas como também fazer isso coletivamente. Podemos tecer mitos partilhados, tais como a história bíblica da criação, os mitos do Tempo do Sonho dos aborígenes australianos e os mitos nacionalistas dos Estados modernos. Tais mitos dão aos sapiens a capacidade sem precedentes de cooperar de modo versátil em grande número. Formigas e abelhas também podem trabalhar juntas em grande número, mas elas o fazem de maneira um tanto rígida, e apenas com parentes próximos. Lobos e chimpanzés cooperam de forma muito mais versátil do que formigas, mas só o fazem com um pequeno número de outros indivíduos que eles conhecem intimamente. Os sapiens podem cooperar de maneiras extremamente flexíveis com um número incontável de estranhos. É por isso que os sapiens governam o mundo, ao passo que as formigas comem nossos restos e os chimpanzés estão trancados em zoológicos e laboratórios de pesquisa.
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Toda cooperação humana em grande escala — seja um Estado moderno, uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica — se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas.
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Mas nenhuma dessas coisas existe fora das histórias que as pessoas inventam e contam umas às outras. Não há deuses no universo, nem nações, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora da imaginação coletiva dos seres humanos.
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Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada é algo em que todo mundo acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada exerce influência no mundo.
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Desde a Revolução Cognitiva, os sapiens vivem, portanto, em uma realidade dual. Por um lado, a realidade objetiva dos rios, das árvores e dos leões; por outro, a realidade imaginada de deuses, nações e corporações. Com o passar do tempo, a realidade imaginada se tornou ainda mais poderosa, de modo que hoje a própria sobrevivência de rios, árvores e leões depende da graça de entidades imaginadas, tais como deuses, nações e corporações.
Para quem se interessar mais, um vídeo do TED do autor:
Normalmente, procuramos a diferença entre nós e todos os outros animais em um âmbito individual. Nós queremos acreditar, eu quero acreditar, que há algo de especial a meu respeito, sobre meu corpo e meu cérebro, que faz de mim superior a um cão, um porco ou um chimpanzé. Mas a verdade é que, no âmbito individual, sou vergonhosamente semelhante a um chimpanzé. (…) A verdadeira diferença entre seres humanos e outros animais não está no âmbito individual, e sim no âmbito coletivo. Seres humanos controlam o planeta porque são os únicos animais que podem cooperar com flexibilidade e em grandes grupos.
Yuval Harari
(…) Nós podemos cooperar com flexibilidade com inúmeros grupos de estranhos, pois apenas nós, entre todos os animais do planeta, podemos criar e acreditar em ficções, histórias fictícias. E desde que todos acreditem na mesma ficção, que todos obedeçam e sigam as mesmas regras, as mesmas normas e os mesmos valores.
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Para concluir, então: nós humanos controlamos o mundo porque vivemos em uma realidade dupla. Todos os outros animais vivem em uma realidade objetiva. A realidade deles consiste em entidades objetivas, como rios, árvores, leões e elefantes. Nós humanos também vivemos em uma realidade objetiva. No nosso mundo, também, existem rios, árvores, leões e elefantes. Mas ao longo dos séculos, construímos em cima dessa realidade objetiva uma segunda camada de realidade fictícia, uma realidade feita de entidades fictícias, como nações, deuses, dinheiro e corporações.
One thought to “Ficções compartilhadas como característica definidora da humanidade”
Obrigado por compartilhar! Grande artigo.