Do design tradicional ao design centrado no ser humano
O apartamento que minha esposa e eu moramos há quatro anos, ultimamente, tem demonstrando sinais de que precisa de alguns consertos. Esses pequenos consertos cresceram para algumas reformas maiores até chegarmos à conclusão de que vamos precisar fazer um projeto para o apartamento como um todo.
Fomos então em algumas empresas de móveis planejado e design de interiores. No desenrolar desse processo, a minha esposa ficou mais responsável por pesquisar o que precisaríamos enquanto eu fiquei mais no papel de um usuário secundário. O que ela percebeu é que muitos designers de interiores queriam oferecer para ela casas de capas de revistas, priorizando muito mais a questão estética do que o uso. Embora ela achasse algumas propostas de design lindas, contrariando diversos estereótipos, ela levou bastante em consideração questões práticas, como facilidade de uso, facilidade de manutenção, facilidade de limpeza, conforto, segurança entre outros critérios que pareciam não ser prioridade das propostas de design “capas de revistas”.
Essa priorização da estética em detrimento do uso é um dos maiores erros cometidos por designers apontados por Donald Norman, uma das principais figuras que encabeçaram o design centrado no usuário. Segundo essa filosofia, um bom design deve garantir que o usuário possa descobrir o que fazer e que tenha condições de saber o que está acontecendo. Para isso, os projetos devem ser norteados pelas motivações, características e contexto das pessoas que usarão o artefato (produto, serviço, experiência) projetado.
O design centrado no usuário (mais tarde denominado como design centrado no ser humano ou design thinking) foi bastante disseminado nos projetos de softwares e, com a popularização das tecnologias digitais, se mostrou um diferencial competitivo na indústria de TI. Não posso afirmar se o mesmo ocorreu ou não na área de design de interiores, mas pela amostra limitada que vimos, não tivemos a sorte de pegar designers de interiores centrados no usuário.
Do design centrado no ser humano ao design comportamental
Podemos perceber que o design centrado no ser humano se caracterizou principalmente pela ênfase na facilidade de uso, em tornar os artefatos amigáveis ao usuário.
O uso de princípios científicos da psicologia e economia comportamental fazia parte, na medida do possível, desse trabalho com os designers incorporando tais insights comportamentais com o objetivo de tornar os artefatos projetados de fácil uso. No entanto, o objetivo do trabalho do designer centrado no usuário (como era o do designer tradicional) ainda é a geração de artefatos — produtos, serviços ou experiências — que as pessoas queiram comprar e usar. Nesse sentido, o comportamento das pessoas ainda é considerado secundário, sendo fonte de informações para as decisões do designer, mas não o objetivo do trabalho do designer. O designer sofria influência do comportamento do usuário, mas não tentava influenciar o comportamento deste último.
O design comportamental, por outro lado, surge da percepção do poder que o design tem para influenciar intencionalmente o comportamento das pessoas. Aí está então uma das principais diferenças entre o design tradicional e o design comportamental: enquanto o design tradicional (e o design centrado no ser humano) tem o objetivo de criar artefatos como fins em si, o design comportamental encara os produtos, serviços e experiências como meios para mudanças comportamentais, indo além da facilidade de uso, mais na direção do design como uma forma de persuasão.
O psicólogo B.J. Fogg foi uma das primeiras figuras a pesquisar cientificamente o papel que o computador tem como agente persuasivo antes do ano 2000. Mais tarde, deixou de focar apenas nos computadores para abranger iniciativas variadas de mudanças comportamentais por meio do design, proposta que denominou de design comportamental. Seus modelos de mudança comportamental (entre eles, o Fogg Behavior Model, o Fogg Method, o Behavior Grid e o Behavior Wizard) são amplamente conhecidos e utilizados pelos designers comportamentais.
Mas, embora o design comportamental tenha diferenças em seus objetivos com relação ao design tradicional, ele também tem interseções com o design centrado no ser humano. Richard Thaler, um dos principais divulgadores da economia comportamental relata que uma das maiores inspirações para o conceito de nudging (um dos sinônimos de design comportamental) foi justamente a releitura de um livro de Donald Norman, no qual ele postula diversos princípios do design centrado no ser humano.
– Se podemos projetar artefatos tão intuitivo que até bebês podem utilizar, por que não estender essa linha de pensamento utilizando o design e os conhecimentos científicos para influenciar o comportamento das pessoas?
Além dos objetivos, há uma outra diferença entre o design comportamental e o design tradicional que está nos métodos. O design comportamental adota as melhores práticas do design centrado no ser humano (como pesquisas com usuários, ideação e prototipação), mas também utiliza um processo rigoroso e sistemático, incorporando os conhecimentos científicos da psicologia e economia comportamental a cada etapa do processo — como na definição do problema e objetivo comportamental, diagnóstico do problema comportamental, projeto e teste de possíveis soluções contextuais-comportamentais.
As vantagens da abordagem do design comportamental em relação ao design tradicional (de produtos, serviços e experiências) são óbvias em dois contextos.
Primeiro, na criação de produtos, serviços e experiências que têm as mudanças comportamentais como principal proposta de valor, como aplicativos de mudança de hábitos ou aumento da produtividade, sites para fazer exercícios, programas de emagrecimento ou reeducação alimentar. Nesse caso, o que o artefato oferece de valor é justamente a mudança de comportamentos que os usuários querem mudar em seu dia a dia.
Segundo, em qualquer negócio (digital ou não), levando em consideração que o comportamento dos consumidores e colaboradores é condição necessária para o alcance dos objetivos de qualquer organização. Qualquer comércio (eletrônico ou não), por exemplo, tem um funil de aquisição, ativação, retenção, receita e recomendação, sendo que todas as etapas correspondem a comportamentos dos usuários. Nesse caso, mudanças comportamentais são necessárias para que os usuários possam extrair o máximo de valor do artefato.
Nesses dois contextos, as mudanças comportamentais são necessárias e, portanto, o design comportamental tem um papel estratégico no crescimento dos negócios. Quanto mais informado pelos princípios científicos da psicologia e economia comportamental, maiores são as chances do design causar mudanças comportamentais e atuar como um otimizador dos negócios, e do bem-estar dos consumidores e colaboradores.