Como a minha formação acadêmica (graduação e mestrado) foi em psicologia, e minha experiência profissional foi em UX, sempre misturei as 2 coisas até o ponto em que propus algo nada inédito, o design comportamental — também conhecido como design para o comportamento, design para mudanças comportamentais, nudging, arquitetura da escolha, design persuasivo, entre tantos outros nomes — diferentes nomes para o mesmo conceito: usar o design como forma de influenciar o comportamento das pessoas.
Do meu ponto de vista enviesado, a experiência projetada pelo designer era um meio para alcançar um fim, o comportamento dos usuários. Dessa perspectiva, a experiência não era entendida como algo etéreo, intangível ou mágico, mas simplesmente a interação entre a pessoa e seu ambiente construído. A experiência que eu tinha em mente ao falar sobre o papel do design da experiência do usuário não era a experiência mental (pensamentos, sentimentos, impulsos etc), mas a experiência no mesmo sentido em que quando falamos de ter experiência em determinada área profissional (“eu tenho experiência com experimentos controlados, eu tenho experiência em projetar apps”).
Reconheço que, a primeira vista, o design comportamental pode parecer um behaviorismo metodológico aplicado ao design, no sentido de valorizar muito mais o comportamento publicamente observável do que a experiência interna. Mas essa ênfase no comportamento e no ambiente construído publicamente observável não é por uma questão metodológica no sentido de negar a subjetividade, a experiência interna ou os comportamentos que são observáveis apenas pelo próprio indivíduo (mais conhecidos pelo simples rótulo “cognição”), uma adoção de um positivismo ou qualquer posição filosófica que negue a mente como objeto de estudo (ninguém em uma reunião está interessado em discutir premissas epistemológicas, mas todos estão interessados em aumentar as conversões, que não são nada mais do que o resultado de comportamentos publicamente observáveis).
Essa ênfase no comportamento público e no ambiente construído é mais uma questão pragmática enfatizada pelo contextualismo funcional: o objetivo de uma ciência psicológica é entender, prever e influenciar o comportamento com escopo (explicar uma gama abrangente de comportamentos em uma variedade de situações), precisão (aplicar um conjunto restrito de princípios a qualquer evento) e profundidade (coerente entre níveis e domínios analíticos, como biologia, psicologia e antropologia). Assim, uma ciência comportamental contextual, ao invés de colocar a causalidade de eventos comportamentais na mente, se concentra nas relações funcionais entre o ambiente (passado e presente) e o comportamento que se desdobra no tempo e no contexto.
Ora, essa ênfase no ambiente manipulável por fins pragmáticos dá um casamento muito adequado com o objeto do design e de outras disciplinas: o ambiente construído.
O design comportamental a serviço do que?
No entanto, uma omissão minha, dentre outros tantos outros autores e designers foi sobre a finalidade do design comportamental. O design comportamental é um meio, não um fim. Como meio, ele pode ser usado de diversas formas, inclusive apenas para fins lucrativos das empresas na forma de dark patterns. Talvez essa omissão sobre os fins do design comportamental tenha sido inclusive, em parte, responsável pela disseminação dos dark patterns: ao mostrar como a ciência comportamental pode ser usada de modo eficaz e eficiente para influenciar o comportamento dos usuários por meio do design, mas sem especificar para quais direções (sejamos justos: nosso maior interesse era vender a proposta do design comportamental; a ética sempre ficava em um capítulo ou slide no final), é possível que designers e empresas tenham utilizado a proposta do design comportamental com o único objetivo que sempre tiveram em mente: os lucros.
No livro The Nurture Effect: How the science of human behavior can improve our lives and our world, sintetizando mais de quarenta anos de experiência na área da ciência comportamental, Anthony Biglan (também criador do conceito de Kernels, muito parecido com a ideia de nudges) defende a ideia de que Ambientes Nutridores (Nurturing Environments) são essenciais para tornar as pessoas mais felizes e saudáveis, sendo essa a melhor forma para se prevenir toda uma série de comportamentos-problema que podem surgir ao longo da vida das pessoas. Biglan defende que qualquer aplicação da ciência comportamental (seja nas formas mais tradicionais de psicoterapia, psicologia comunitária, ou nas formas mais inusitadas como no design comportamental) deve ter o objetivo de tornar o ambiente das pessoas menos aversivos / coercitivos e mais nutridores.
Para isso, Biglan declara uma agenda para a aplicação das ciências comportamentais; agenda essa que pode muito bem ser emprestada para o design comportamental:
- Promover e reforçar comportamentos pró-sociais (ensinar, promover e reforçar intensamente o comportamento pró-social);
- Minimizar condições biologicamente e socialmente tóxicas (minimizar o conflito e a coerção);
- Monitorar e estabelecer limites nas influências e oportunidades para se envolver em comportamentos problemáticos (limitar as influências e oportunidades para comportamentos problemáticos);
- Promover a busca consciente, flexível e pragmática de valores pró-sociais (promover a flexibilidade psicológica para a busca de valores importantes).
Sendo assim, as considerações éticas do design comportamental não são um capítulo à parte para serem discutidas em algum evento de UX e esquecidas no dia a dia dos designers. As aquisições, ativações, retenções, receitas e recomendações (do já tradicional funil AARRR) são e sempre serão objetivos corporativos, afinal, como afirma Len Sherman em If You’re in a Dogfight, Become a Cat!, o único propósito de um negócio é criar e manter clientes satisfeitos de forma lucrativa. E querendo ou não, a absoluta maioria dos designers estão inseridos nesse contexto.
Mas o design comportamental não deve estar a serviço somente dos interesses corporativos ou mesmo dos interesses de curto prazo dos usuários — que vão trazer uma gratificação imediata, mas que podem ter consequências prejudiciais no longo prazo, como em armadilhas comportamentais muitas vezes exploradas pelos dark patterns.
O design comportamental deve estar a serviço de gerar ambientes nutridores: a) promovendo e reforçando comportamentos pró-sociais, b) minimizando condições biologicamente e socialmente tóxicas, c) monitorando e estabelecendo limites nas influências e oportunidades para se envolver em comportamentos problemáticos, d) promovendo a busca consciente, flexível e pragmática de valores pró-sociais.
Assim como as heurísticas de Nielsen servem como critérios de avaliação de usabilidade proporcionada por uma interface, a agenda fornecida por Biglan pode ser utilizada como uma lista de critérios para se avaliar a adequação do design comportamental na geração de Ambientes Nutridores (pessoalmente, eu recomendo que designers escrevam os 4 itens da agenda do design comportamental e deixem em algum lugar bem visível na frente dos seus Notes; é o que eu faço no trabalho e em casa).
Quer saber mais sobre o livro de Anthony Biglan?